domingo, 29 de novembro de 2009

A diferença do diferente

Há pouco mais de uma semana a mídia mostrava as manifestações brasileiras sobre o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, data escolhida por marcar a morte de Zumbi dos Palmares. É possível que minha opinião lugar-comum se torne um discurso enormesco lembrando que o surgimento do Brasil não teve nada de descoberta, mas sim de invasão, de lutas disparadas: saíram perdendo os indígenas e vieram para as terras tupis-guaranis gente de todas as etnias. Vamos admitir que ao liberar (e não "libertar") os negros, a tal princesa Isabel apostou numa ação política e não humana.
Da mesma forma que quando a força escrava foi trazida para o Brasil e um leve trecho da História acredito que todos conheçam. E não foi algo inventado pelos negros. Aliás, como eles fariam se pudessem optar, não? Os que se ‘ligaram’ nas conseqüências da dispensa do trabalho escravo preferiram ficar na função, pois ao menos continuariam tendo casa e comida.

Os que escolheram sair, mas tiveram 'senhores' mais compadecidos, ganharam um chãozinho; alguns até com teto. Já a boa maioria se mandou com uma mão na frente, outra atrás (tô aqui brigando com o espírito de meu avô que insiste pra eu ser mais objetiva a exemplo dele e escrever logo que a negrada saiu com uma mão tampando o cu, outra a buceta. Mas eu jamais escreveria algo tão chulo). Justamente por isso é que os negros, depois de livres (?) "agarraram" os morros do litoral brasileiro, criando as favelas; ou as matas, formando os quilombos. Eram as primeiras áreas a serem aportadas ou que ainda não havia donos.
Seria piegas dizermos que não é tão grave assim. Sabemos que nunca houve paridade (nem piedade); que este trecho da história efetivou o embate das diferenças sociais entre etnias pelo fato de o negro raramente conseguir competir financeiramente mas, principalmente, pelo excesso de melanina.

Temos colonizações no país que ainda não viram negros pessoalmente. Assim como muitos ainda não conhecem o mar. Consciência branca? Consciência amarela? Consciência vermelha? Consciência parda? O que vai assustar mais? Ver um japonês, ou ver um negro? E normalmente nos afastamos do que é assustador, é como se aumentássemos o tamanho do fantasma (pelo menos não tenho medo do mar, apesar de já ter perdido um priminho pra ele...). O que incomoda é a cor, essa coisa da mosca no leite.
O facultar o ponto do 20 de Novembro por ser dia da Consciência Negra (penso que o correto seja conscientização) fica a critério das políticas públicas e sociais, embora as mudanças reais sejam um constante e demorado trabalho, pois não passam de falácias. Contudo, vale, sim, pra reflexões acerca das minorias e todas tem seu dia, claro. As que ainda não tem continuam na luta para que isso aconteça e vá além dos interesses político-partidários (brasileiro não desiste nunca). Tenho uma tonalidade de pele mais clara, cabelos ‘bons’ e traços não tão acentuados. Mas jamais – e não estou sendo moralista – me fiz de ‘morena’.

Os amigos me tratam por morena, morenona. São carinhosos. Sou negra, minha família é. Tem negrinho do cabelo bom, branquinho pixaim, indiozinho com nariz chato, bugre com boca fininha. Uma maravilha!
E o preconceito continua aí, mesmo maquiado ou inconseqüente nas chacotas que arrancam gargalhadas. Quem se sentir ofendido, ta aí a Constituição pra pingar nos is. Depois que vigorou a legislação nunca mais fui ofendida... E ando louca por ganhar uma graninha extra!

Realmente, nem tudo são flores (tudo bem, vovô, eu falo! Pare de cutucar!). De negro pra negro, há o auto-preconceito e as manifestações do 20 de Novembro também tem esse caráter. Alguns e comumente os mais abastados financeiramente olham seus pares com distinção e inferioridade. O próprio Zumbi, constatou-se, tinha escravos particulares. Brancos não gostarem de negros, embora anormal tornou-se comum. Já vi amores desfeitos. Contudo, há famílias que discretamente optam por genros e noras brancos. Por quê?

Com relação às cotas, vejo como algo relativo. Sou contra pelo fato de sermos todos dotados de inteligência, capazes de disputar vagas acadêmicas nos mesmos níveis intelectuais dos demais seres humanos de diversas etnias. Utopia, pois a inteligência de nada serve se não houver dinheiro pra competir: por isso sou a favor! É obvio que a intenção do presidente pró-cotas é amenizar a desigualdade em questão, é mesclar um pouco mais o cercado dos donos do saber, por isso se atentou aos negros, não aos pobres.

Bem, como eu previ, fui longe e nem falei tudo que me ocorreu nesse momento. Ui!

Viva a miscigenação! Viva a riqueza cultural, o colorido, a música, a dança (eis as contribuições africanas) desta terra que por ser de ninguém (pobres indiozinhos!) virou país de todos. Nem pensei em casa da Mãe Joana. Deusolivre!

=)

Se você tiver a oportunidade de assistir ao documentário "Mata... Céu... E Negros", de Cláudia Aguirre, terá uma boa noção da formação quilombola de SC. A diretora conta um pouco da realidade dos descendentes de escravos  residentes numa comunidade do município de Antônio Carlos. Rico registro.

5 comentários:

Alaíde (Dinha) disse...

Hummm...Vim meter o "bedelho",pois tb gosto de Xeretar.Gosto de ler coisas que dizem respeito a nossa cor,e tb ter o direito de ter minha(s) opinião(ões).Creio que este é um dos maiores avanços que estamos tendo,o de falar abertamente sobre a questão etnicorracial,o que antes nos era negado.Também concordo que deveria ser "Dia da Conscientização Negra",e defendo o feriado.Quanto as diferenças socias sabemos que a causa e efeito são oriundos da escravidão.Um ranço continua e independe do excesso de melanina (negros africanos)pq, mesmo o Brasil sendo um país miscigenado, a coisa continua...
Amigaaa vc citou o termo chulo, "sem querer querendo " - uma mão na ...
O termo:moreno(a),mulato(a),pardo
(a),é uma questão de falta de conhecimento,uma construção antiga, e está fora do contexto biológico ,já que biologicamente todos são negros (questão de genes)-brancos tem genes recessivos,e negros genes dominantes;então,mesmo que filhos de casamentos interrracias saiam brancos,ou mais claros ,são considerados negros.E quanto a questão de famílias optarem por escolherem genros e noras bcas, tenho que discordar,pois entendo que a família não pode interferir nessa escolha.Quanto ao Zumbi ter escravos nada foi comprovado,assim como ser gay.Ele teria que ter alguém para fazer o trabalho doméstico ,entre outros...Daí a submeter alguém ao julgo da chibata???(tenho minhas dúvidas).
Cotas ,ah!as cotas ...Deu e ainda está dando pano pra manga...
É só ler o que a ONU resolveu na Conferência em Durban -África do Sul.Ela puniu o Brasil ,pelo crime da escravidão.O Brasil teria que ressarcir(indenizar) os afrodescendentes(impossível)!Então, teria que ter uma REPARAÇÃO, através de políticas públicas;o que foi copiados dos EUA a questão de Cotas,já que lá deu certo.
estou indo longe de mais ...vou parar por aqui.
Viva a Diversidade,as Ações Afirmativas,...
Viva a Diversidade Cultural!!!

Marcia Silva disse...

E viva você, Aleida, que surge pra estender as reflexões sobre este tema sempre tão intrigante quanto oportuno. Volte sempre, viu?!
Bjão, garota!

Dinha -Ativista Negra disse...

Ei não sou a Aleida,sou a mãe da aleida (Alaíde- Dinha)
Bjs

Marcia Silva disse...

Vivaaaaaaa!!! Te admiro muitão, mulher!
(Confundi bonito, desculpe-me. Foi pela foto da netinha entre os seguidores.)
Alegria redobrada em tê-la por aqui, Dinha. Brigadãaaoo!

Andre Reis disse...

Dona Márcia!
Primeiramente queria te dizer da minha alegria em ver que és a mais nova seguidora do meu blog. E também por saber que és negra, escreve bem e tem cultura. Estou fazendo uma devassa nos teus escritos. Tô adorando. Parabéns. Mande e-mail, baeta@bizz.com.br, pra estreitarmos nossa amizade.